Thursday, April 01, 2004

Interrogações

Encosto-me no sofá. Ponho o CD que me ofereceste no Natal. Ouço-o e volto a ouvi-lo.
Levanto-me. Vou até ao computador. Alinho os dedos no QWERT. Escrevo-te. Páro a meio e vou até à janela.
Acendo um cigarro, fumo-o devagar, desenho gotículas de água na janela, corações com os dedos. Lá baixo vejo alguém que passa. Um rapaz.
Não deve ter mais do que 27, 28 anos. Tem calças castanhas, camisola azul escura. Um raio branco. Não, não é um raio. É um ponto de interrogação.
Ele caminha e olha para o mar. Pára num quiosque. Compra um jornal. Adivinho-o desportivo. Imigino-lhe as dúvidas, os medos, as euforias, os desejos, os encantos, os recantos. Dá mais dois passos, pára para ler uma página que lhe chama a atenção.
Carros passam a correr do outro lado da rua. Gente e mais gente que se cruza nesta tarde de Abril.
Uma rapariga sentada numa esplanada olha para o rapaz do ponto de interrogação. É bonita, ela. Ele também. Imagino-lhes o futuro.
Um encontro, dois encontros, uma casa, um filho, dois filhos, dois rapazinhos, uma carrinha, um apartamento médio, fins de semana em casa dos pais dela, no Alentejo. Imagino-lhes uma vida. Olho de novo. O rapaz já vai no fundo da rua. A rapariga continua na esplanada. Chega um rapaz. Dá-lhe um beijo nos lábios. Senta-se ao lado dela. O rapaz do ponto de interrogação já não o vejo. Outros e outros rapazes, homens, meninos, velhos, passam por baixo da minha janela.
Ajeito-me de novo no computador. Revejo a rapariga da esplanada e lembro-me que um dia também eu já gostei de estar assim sentada na esplanada à espera de ti em fins de tarde só nossas. Pouso os meus dedos na primeira letra do teu nome. Custa, custa muito. Repito baixinho letra por letra as letras pelas quais te escreves. Um dia também eu e tu já tivemos a idade da rapariga da esplanada e do rapaz do ponto de interrogação.
E também tu lias jornais e paravas nas paginas do Benfica. Toca o telefone. É a minha irmã. Está preocupada comigo.Toca a campainha.
Será que és tu? Não, é o carteiro.

Matilde

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